quinta-feira, 22 de julho de 2010

A vida é difícil ( para todos), mas Teresópolis é foda. Fácil de esbarrar nas pessoas por ai, numa cidade toda de encruzilhada do tamanho de um saco no frio. Facinho do passado escarrar em você, quando passa em direção ao túnel escuro e apertado do futuro. Tudo isso me lembra a Bia, um cuzinho que nunca vi.

Ela é drogada. Ela é vagabunda. Ela é macumbeira. Talvez ela tenha uma doença venérea ("doença venérea" é tão ano 60 que as minhas costas doem só de escrever - e nem estive lá. Deve ser atavismo).

Então, me lembrei da Bia porque meu amigo tinha um primo que colava com uma vagabunda que o largara em sua atribulada adolescência, e aí ela apareceu com a Bia muitos anos depois, numa encruzilhada de Teresópolis, onde tinha um boteco em que me encontrava bebendo. Eu tava com um amigo e nós estávamos de saco cheio, de cara cheia, sem droga e sem mulher. O dinheiro no fim. É sempre quarta-feira quando se está duro. Nessa a Bia chegou. Beleza - parecia que eu tinha achado pó no chão. Até me esqueci que não existe mulher grátis. Nem cocaína. Não lembro como começou a conversa. Tinha a ver com tê-la chamado de "Maria Padilha" em alguma festa perdida nas névoas etílicas. Macumbeira adora essas coisas. Até achei que ia ela ia me dar drogas ou a bunda. Talvez eu também pudesse lhe passar alguma coisa. Não fomos tão longe. Pelo menos ela pagou umas canas. Eu biritava, jogava conversa fora, dando o máximo do que restava de mim pra parecer menos bêbado. Mas eu tava fudido. Queria gritar "pó ou a bunda", de canudo numa mão, e pau na outra, just in case.Bia também estava quase dura, - e ela não tem pau, então você entendeu - é uma metáfora - e também sem drogas. Mas, sendo mulher e vagabunda, conseguiu dar o balão no doce de um traficante gordo mais otário desses daí, de cidade de interior. Achei que ele fosse ficar bolado, mas ela deve ter dito que voltava depois, porque ele não correu atrás. Traficante que faz fiado. Hehehe. Igual puta com coração. Altas horas da madrugada, doidão daquele jeito, nem ia conseguir comer ninguém. E as meninas fingindo que estavam doidonas, e eu pensava "putz, ácido de merda", porque dava pra sacar que ninguém tava doidona de doce, só fazendo aquele tipo retardado que neguinho curte nesses filmes de colégio americano. Já tava boladão, e aí veio ela: "Sempre achei que você parecia o Brédi Piti"."Toma outra, Brédi". Ah cara, nem minha mãe diz isso pra mim. Talvez ela oferecesse a bebida. Mas sabe, minhas cabeças queriam acreditar. Quase me lembrei de ter ouvido isso antes. "Brédi", hehehe. Então falou.Foi quando ela me levou pro banheiro. E deu-se sacanagem, por um bom tempo. As pessoas de fora impacientes, um cara com aquela cara de japonês que você sabe que é bom de porrada, ele não tinha óculos nem nada, e eu já tendo quebrado uma ou duas tulipas, derrubado uma mesa e tal . Merecer porrada deixa os outros mais fortes. A gente continuava se pegando e rindo alto e a coisa foi esquentando, e Terê é frio, não queria sair dali durante a madrugada e ir pra casa , eu moro longe pra caralho. "Vocês não tão em casa não"."Abre essa porra" - disse alguém, provavelmente de charuto já no beiço. Talvez o urubu bicasse doído. Quem sabe o que aflige os homens?
Parecia o japonês. Era o japonês. Intuição. Cagaço. Eu não estava muito sortudo aquela noite. As pessoas davam murros na porta. A Bia dava murros na porta de volta. Não sou nenhum cagão, mas também nenhum Rambo ( nem o Brédi - ele é um vampiro gay, quem é o Rambo é o Estalone que é musculoso e tem uma faca). Já imaginava como sair fora. As vozes começaram a aumentar aos poucos, mas o exercício e a tensão levaram um pouco da minha bebedeira embora, e comecei a ficar bolado, neguinho lá fora já falando de violência, e eu desarmado - um homem assim fica muito pacífico e avesso a confusão. Resolvi sair dali; já tinha rolado uma covardia mais ao meu estilo, cinco contra um e nenhum dos cinco meus. Mas lá fora, por alguma razão, fui eu quem começou a pagar a bebida. Aí era demais pra mim. Eu estava fora de controle. Eu precisava ir pra casa. Dei um perdido na vagaba, ao raiar do sol - Deus é poético e eu tenho meu requebrado. Enquanto Ele mijava os dourados do horizonte, minha cabeça pesava com o peso da consciência - não, era ressaca - tenho discernimento. Passei a semana seguinte evitando encruzilhadas. E butecos. Nada disso é fácil em Teresópolis. Nunca mais vi a Bia. Talvez ela esteja internada de novo. Talvez ela tenha morrido ou acertado no milhar. Não é que eu tenha saudade, mas Teresopolis é frio e as vezes eu estou por lá e a madrugada demora a passar. A vida não é fácil (pra ninguém).

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