Meados de 2005 ,foi quando Jesus me cagou na cabeça. Ele tem Sua própria maneira de operar em nossas vidas. Escreve certo por linhas tortas. Muito habilidoso. Quanto a mim, nunca fui bom em caligrafia e escrevo torto por linhas certas, porque tenho preguiça e gosto de me sentir especial. Como Ele. Ou o Outro. Ou um cara da Apae. Sem me desviar demais, quero dizer que Jesus me conseguiu um emprego (ruim), uma namorada (...) e um surto psicótico (não muito ameno), tudo quase de uma só vez. Mágico. Não sei como Lhe agradecer. Dirigir-me-ei então, ao próprio:
Espero que, diante de Sua Infinita compreensão, não me tome por mal-agradecido. Mas a namorada não era tão boa assim. Ela era magrela e branquela, de óculos e flácida, lia livros demais e tinha muitas teorias. E, no fim , ela me levou a trabalhar. Como Eva, antes dela, levou Adão a trabalhar, na história que envolve uma cobra falante e uma fruta. Um caso clássico. Não pude evitar. Eu precisava trabalhar para ficarmos juntos - sabia que seria pra sempre, sentia que ela era para mim. Sabia que ela era pra mim porque a mão do palhaço nos uniu num buteco fim de carreira, quando minhas carreiras estavam no fim, numa encruza, num cú de cidade. Sabia que ela era pra mim porque ela namorava meu amigo. Eu tinha essa coisa com mulher dos outros. E mulher dos outros tem essa coisa comigo. O Seu Pai quis assim, Seu Pai nos fez assim, Seu Pai armou o circo auspicioso daquela noite. Enquanto minha futura namorada malabareava o chifrar de seu semi-namorado atual (talvez eu não estivesse furando o olho de ninguém - ela me disse e eu quase acreditei), outro amigo planejava chifrar a sua com uma dessas barangas charmosas e inteligentes que justificam a piranhagem filosoficamente. Não é pra qualquer uma, você pode pensar, todo esse ilusionismo, mas as universidades do Rio estão cheias delas. Elas tem em suas almas uma desenvoltura desavergonhada pra culpar o corno pelo chifre. Ou a corna. Colou com meu amigo. Mágica. Ou talvez ele só estivesse a fim de fuder. Bom, fim de noite, casa da baranga sexy. A sacanagem rolando, e eu com ela, até onde o álcool, a cocaína e a maconha me permitiram ir -algumas linguadas, nem tantas, mas estratégicas, e foi isso. Em algum lugar da noite perdeu-se um poema do Vinícius. O Vinícius era pegador - eu não - ao raiar do Sol, apaixonei. Seu filho da puta. Perdão, esqueci que era o Senhor.
Levou algum tempo até que as coisas se arrastassem no lodo de briguinhas e tédio que é o desenlace do êxtase (o sentimento - a droga é 'ecstasy' - também globalizada, também dá revertério) . Antes disso, a tristeza consumiu meu amigo abandonado, ele cansou de consolar-se comigo (ninguém disse nada a ele) e mudou-se pra junto da família, onde começou a fabricar guitarras. Foi bom pra ele. Hoje ele estuda pedras. Tenho certeza que o Senhor planejava tudo isso, e por isso sou grato. De coração. Porém, gostaria de fazer saber ao Senhor, veja só, que não gosto de trabalhar. Nunca gostei, sem nem ter experimentado. Quando queria convencer alguém a usar drogas eu dizia: "Você nunca experimentou pra ver se é bom". Um argumento fácil. Fácil e fraco. Não venha com essa pra cima de mim. Trabalhar é uma droga, mas não como LSD. Trabalhar é como dar a bunda. Se você, cabra macho, sujeito hômi, quis experimentar pra saber, azar o seu. Você foi fudido. Literalmente , sobretudo. Estará lá no teste da farinha, a marca indelével . Ou a falta dela. Pra ficar claro, quero que você entenda que haverá uma prega faltando - como o brilho no olhar que só um vagabundo pode ter, este que se desfaz no fim da labuta, que se desfaz no ônibus lotado, que se desfaz com o som do despertador. Da mesma forma, trabalhar deixou marcas profundas em minha pessoa. Nunca mais encarei os bancos da mesma forma e os bancos não me encaravam da mesma maneira. Assim, fez-se o crédito em minha vida. E vi que crédito era bom. E sendo bom, usufruí. E usufruindo me arrasei. Não me diga que não é coisa Sua. Eu sei que Você é judeu, e vocês fecham entre si. O trabalho e o crédito são Sua forma especial de vingança, eles se atrelam um ao outro, numa simbiose mediada pelas Casas Bahia. E pensar que isso tudo porque um antepassado de discernimento duvidoso resolveu obedecer à mulher (veja só), justo quando ela começou a ouvir conselhos de uma cobra falante. E que falava de árvores mágicas e suas Frutas do Mal. Li o livro, Você sabe, e não quero me repetir (muito).
Creio não precisar lembrar ao Senhor, sendo quem És, que o meu trabalho não era especialmente ruim. Ele não era especialmente coisa alguma. Envolvia despachar coisas e carregar caixas. Mas gostar dele seria especial. Especialmente pobre da minha parte, no sentido espiritual e financeiro da palavra. Quem quer trabalhar por aquela miséria? Eu me lembro dos meus companheiros repetindo: "Eu gosto de trabalhar!", ou "Ficar em casa fazendo o quê?" e pensava: Porque não foder? Eles eram todos casados. Eu tinha uma namorada e passava a maior parte do meu tempo livre trepando com ela. É saudável. É grátis. Suburbanos e cristãos casam pra isso. Talvez suas esposas tivessem embarangado, acontece muito. Ou poderia sugerir a eles a televisão, ela muda tudo. Ou que batessem uma bronha. Usassem drogas. Caguei. Fizessem qualquer coisa ou nada, nunca acreditei no que diziam - na verdade, quando começamos a nos conhecer melhor, percebi que por trás disso havia um certo desespero. Não havia a opção de não trabalhar em suas vidas, donde, gostar de trabalhar era uma virtude. Uma lógica duvidosa, algo como: "Não posso deixar de cagar (sem morrer) então deve ser bom". Freud chamaria um cara desses de viado, e eu também. Por outro lado, Freud era judeu como o Senhor, e assim, rico. Não notaria uma diferença fundamental: Todos podemos cagar. Na real, graças ao Activia, até quem come comida saudável pode cagar. Já serviço é difícil, pra semi-analfabetos sem qualificação formal como quase todos dentre nós. E veja, graças ao trabalho tínhamos o que largar pelo cú, alimentar a privada. Mas era uma hipocrisia divertida, dizer que gosta de trabalhar e depois se imaginar ganhando no bicho e vivendo coçando o saco. Pausa:
Falar disso desperta
um poeta em mim
sinto uma vontade
de cantar assim:
"Continue trabalhando,
não pare de jogar,
reze de vez em quando
e acerte no milhar".
Sambinha também é bom quando se está de bobeira. Aqui, no meu atual emprego, posso me tornar o Noel. Ou o Chico, que é pegador. Havia outro mantra que cansei de ouvir: "Viu, não estudei, tô carregando caixas" ou "Minha mãe disse: estuda meu filho.Não dei ouvidos. Olha eu aí". Quanto a mim, havia estudado uns quatro anos e também estava carregando caixas. Você tem que completar as matérias. Isso não se faz nem na boca de fumo, nem no bar. Por outro lado, a maior parte dos colegas que conheci na faculdade e que formaram-se em História, Filosofia e Sociologia tornaram-se professores desmotivados de alunos com coisas realmente interessantes na cabeça, como ácido, maconha, cocaína, bebidas, carros e sexo. Outros conseguiram ser livreiros e alguns alcançaram até o direito de trabalhar no turno diurno. Eles também carregam caixas, de livros, mas às vezes apenas livros individualmente. Meus parabéns, por toda essa garra e determinação, meus parabéns por essa conquista. Aposto que não foi fácil encher a cara de maconha e se formar. Não foi pra mim.
Voltava todas as noites pro apartamento que dividíamos, com mais um casal e uma amiga. Sinto falta da amiga. Na verdade, senti falta dela assim que fui expulso do apartamento, levando apenas livros, roupas e talvez HPV. Ela lamentou minha partida - estava presente quando eu e minha atual ex ficamos a primeira vez. Ela era a baranga maravilha que mencionei acima. Devia ter casado com ela. No entanto, com toda a Divina Graça do Seu requebrado, encontrei um amigo que havia expulsado a namorada dele de casa. E era o mesmo amigo do bar onde havia conhecido minha (agora ex) namorada. Nessa outra encruzilhada da vida, entre o suicídio e a casa da minha mãe, imediatamente vislumbrei Sua Luz Dourada em minha vida, na forma de cerveja e uma mostarda que eu tento me lembrar o nome até hoje. Tudo grátis. Foi uma época de ouro. Ouro do meu amigo, que além de rico é generoso. O que fez disso tudo uma coisa mais especial foi que pude prosseguir me afogando em minhas mágoas sem gastar dinheiro. Mínimo investimento pra máximo retorno. Isso é que é sorte. A expulsão não precisou se transformar numa lição de moral sobre ser mais atencioso, ter ambição, subir na vida ou parar de beber - nada que exigisse esforço. Tudo o que ela fez foi me dar um sofá, uma janela, comida, cerveja e nada pra fazer, nem niguém pra fuder comigo, em nenhum sentido. Continuava pagando pelos (meus) cigarros, mas estava de volta ao auge. Foi um meio de prosseguir fazendo o que gostava. E o importante é ser feliz. Obrigado.
P.S. Ainda carrego comigo o medo de ser portador do HPV - por favor mande um sinal.
P.P.S Não, deixe como está.
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